Em 2024, Portugal celebra os 50 anos da libertação de um período sombrio, representado pela ditadura. No registro desta história nos perguntamos onde estavam as pessoas negras LGBTQIA+ na Revolução dos Cravos? Se elas existem, qual a contribuição destas pessoas para o 25 de abril? É inegável, portanto, a omissão nas narrativas oficiais da presença de pessoas negras LGBTQIA+ nesses contextos históricos. Evidentemente, sua participação ativa e sua contribuição para a luta e a resistência não podem ser subestimadas nem negligenciadas. Por estes motivos, queremos com o projeto “Cadê elas?” estabelecer um exercício de produção para uma nova narrativa sobre o 25 de Abril e o papel fundamental destas pessoas para a libertação da ditadura. Nesse sentido, o projeto apresenta o seu teor inovador no tecido social e artístico a partir do momento que procura produzir um arquivo biográfico para não só dar a conhecer quem são estas pessoas, como também estabelecer um marco relevante na promoção dos valores do 25 de Abril, nomeadamente no que diz respeito à descolonização das narrativas históricas. O projeto opta pela criação de um discurso inédito ao utilizar a produção de dados biográficos como matéria-prima que será levada ao público a partir de dois grandes dispositivos: um ao nível da expografia, ou seja, na produção de uma exposição temporária na galeria Santa Catarina, um espaço da Junta da Freguesia da Misericórdia e a produção de material gráfico com estas histórias que serão distribuídos gratuitamente, seja por via digital ou impressa. No decurso da produção da arte contemporânea sabemos o quanto o arquivo serve de base para a construção de outra história, uma vez que ela se escreve com o arquivo, pelo arquivo ou pelo que entendemos como arquivo. Vale ressaltar ainda que uma importante estratégia do “Cadê Elas” é a parceria com as Bibliotecas Municipais, Juntas de Freguesia e o Museu do Aljube na difusão do material produzido. Pretende-se, por exemplo, que o material gráfico funcione como peça expográfica disponível nos espaços destas instituições por a considerarmos fundamentais na disseminação da informação pública.

Como imaginar um mundo de revoluções contra ditaduras sem ver a presença negra nestes períodos? A ideologia colonial foi exímia em manter o apagamento destas pessoas em todos os setores da sociedade. Quando referimos pessoas negras LGBTQIA+ esse apagamento é ainda superior. Assim, o “Cadê Elas?” beneficiará a sociedade portuguesa como um todo, proporcionando uma oportunidade de preencher uma lacuna criada de modo premeditado pelo sistema colonial. O projeto tem como propósito lançar luz à presença e à atuação das pessoas LGBTQIA+ negras que culminou no 25 de Abril, servindo assim como uma espécie de prova de vida que atesta o quanto esta comunidade exerceu influências e teve protagonismo. Quando falamos de representatividade, relembramos por exemplo, casos que se conectam à luta antirracista bem como o apagamento das mulheres que ainda hoje continuam a lutar por condições igualitárias de acesso. Neste sentido o projeto se alinha aos valores de Abril quando procura promover a descolonização de pensamento ao desenvolver propostas que tem o objetivo de democratizar o acesso à informações de valor público a partir do reconhecimento e valorização da presença e contribuição negra LGBTQIA+ neste importante momento histórico. Do mesmo modo, o projeto pretende criar uma memória pública intergeracional acerca das experiências que foram soterradas pelo racismo estrutural e pelo silenciamento de vozes fundamentais que contribuíram para a conquista da liberdade e assim, celebrá-las.

O projeto “Cadê Elas?” promove a participação e a qualificação das comunidades e públicos em geral a partir do seu compromisso com a democratização de informações que consideramos ser fundamentais para a promoção dos valores da liberdade. O projeto dialoga com o tema da justiça reparatória ao nível das práticas artísticas que têm vindo a ser promovidas e financiadas por organismos internacionais, como por exemplo, o caso da ONU, a partir da criação da década internacional de afrodescendentes. A partir da prática artística de utilização do conceito de arquivo e memória, o “Cadê Elas?” pretende marcar um território simbólico de pertença num momento histórico para Portugal, promovendo assim mais equidade social em termos de representação. O projeto possui uma forte componente artística e pedagógica no sentido de qualificar não só comunidades, como também instituições culturais. O projeto prioriza a produção de novos discursos a fim de conscientizar, educar e valorizar a presença das pessoas negras LGBTQIA+ nos processos revolucionários. Em termos de qualificação dos públicos, o projeto desenvolverá uma programação cultural diversificada ao abranger diversos domínios da atividade artística e de investigação, incluindo objetos de áudio e vídeo, artes visuais e literatura. Na proposta da exposição, o trabalho pretende incluir obras e outras expressões de informações que reflitam as experiências e contribuições das comunidades negras e LGBTQIA+ na história da Revolução dos Cravos.